«É legítima a resistência dos palestinos à ocupação», por José António Gomes

Em nome do MPPM, saúdo o III Encontro da Paz e todas as associações e organizações que, sob este belo lema, «Nos 50 anos de Abril, pela Paz todos não somos demais!», aqui e agora quiseram dar-lhe forma e sentido – destacando desde já as entidades organizadoras que têm tido papel histórico na solidariedade com a causa palestina, como a CGTP Intersindical e o CPPC, sem esquecer o MDM e a URAP, cujas representantes me acompanham nesta mesa, entre muitas outras.

Nos últimos dias (a citação é do Diário de Notícias de ontem, 27-10-2023), a Assembleia Geral da ONU ouviu estas palavras do observador permanente da Palestina nas Nações Unidas, Riyad Mansour: «Parem as bombas, salvem vidas (…) Para milhões de palestinianos já não há uma casa para a qual voltar (…), para milhões, não há já família que resta para abraçar, não por um acto de Deus, mas pelo acto de um governo representado na Assembleia Geral.» E Mansour acrescentou: «[Israel] acredita que se disser Hamas vezes suficientes, o mundo não será capaz de se opor à eliminação de [famílias inteiras] da face da Terra». E questionou «o porquê de o mundo sentir tanto ‘a dor’ dos israelitas, mas não a dos palestinianos (…): Qual é o problema? Temos a fé errada, a cor da pele errada, a nacionalidade errada?». «A indignação seletiva», disse ainda, «é ultrajante e precisa de parar».

Amigos, tanto em iniciativas próprias como associado a outras organizações, o MPPM (Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e Pela Paz no Médio Oriente) tem assumido a defesa intransigente de um conjunto de valores e de princípios, à qual a guerra em curso de Israel contra a Palestina (e não, como dizem, contra o Hamas) veio, tragicamente, dar razão. Princípios e valores que é hora de reafirmar neste III Encontro pela Paz, juntamente com a posição que, a nosso ver, deve ser no momento assumida pelos defensores da causa de um mundo mais pacífico, mais justo e respeitador dos direitos humanos. A saber:

O cerco à Faixa de Gaza, os cortes de água, energia e medicamentos, os bombardeamentos e a forçada deslocação para sul dos seus habitantes constituem crimes de guerra, violações do direito internacional, nas quais se incluem os bloqueios impostos à ajuda humanitária de emergência. Estamos perante um massacre, em que a própria retirada da população é fustigada pelas bombas. O rol conhecido de vítimas parece não parar: à data em que faço esta intervenção, mas com tendência a agravar-se e muito, cerca de 7000 mortos em Gaza, incluindo 3000 crianças (e isto para não falar das quase 100 vítimas mortais na Cisjordânia provocadas por colonos judeus e pelas forças armadas); perto de 15 000 feridos (1400, já agora, na Cisjordânia); 1 milhão de deslocados. Esta tragédia colectiva de inenarráveis proporções configura, como temos dito, uma chacina que se encaminha para o genocídio.

Ela prolonga e amplia, agora no século XXI, a limpeza étnica de 1948 que, com a criação do Estado de Israel, deu fôlego à ocupação de territórios palestinos e, em décadas posteriores, à expansão contínua dos colonatos israelitas em terra alheia, já sabemos de quem. Ela coroa, por outro lado, aquilo que tem sido o deliberado desrespeito israelita pelas resoluções da ONU sobre a ilegítima ocupação desses territórios e sobre outras ilegalidades – para não falar, ao longo de 75 anos, das permanentes violações de direitos humanos e de direitos jurídicos:

  • com milhares de presos palestinos nos cárceres de Israel, incluindo adolescentes;
  • com checkpoints, agressões, humilhações de toda a ordem, prisões e assassinatos constantes, que atingiram proporções impensáveis durante a pacífica Grande Marcha do Retorno, em 2018 e 2019, deliberadamente ignorada pelo chamado Ocidente, cujos líderes tanto apregoam os «valores ocidentais», o direito à liberdade, à democracia, à manifestação pacífica;
  • com cortes de energia nos territórios palestinos e limitações no acesso à água;
  • com destruição constante de património, de equipamentos sociais, de toda uma economia local;
  • com restrição do acesso ao mar de Gaza;
  • com provocações, agressões e mortes em Jerusalém, nomeadamente na Esplanada das Mesquitas;
  • com cerceamento de direitos de cidadania dos palestinos residentes em Israel, que desenha assim este estado como um regime de apartheid. 

Deixem-me, a propósito, que lhes leia um curto poema que escrevi há dias (assinando-o com o nome literário João Pedro Mésseder):

PALESTINA

Se te roubam a terra
se te cercam o mar
se o céu não to roubam
que o não podem roubar

mas to enchem de fogo
que te chega do ar
e a casa desaba
e os pais tos esmaga
e os filhos te mata
a mulher a gritar

que palavras te escutam
no meio das ruínas
da escola ou da casa
ou do novo hospital?

No meio do medo
do choro e dos brados
que te pões a pensar
que te ouvem jurar?

Numa das regiões politicamente mais escaldantes do globo, e na qual é mais aguda a disputa pelos recursos naturais (nomeadamente o petróleo), esta sangrenta tensão é expressão também de luta de classes, na qual um Estado liderado hoje por um governo da direita mais extremista, detentor de armas nucleares fora de qualquer acordo de limitação e fiscalização, e com um dos exércitos mais bem equipados do mundo, agride um povo indefeso. Um povo com uma rica e ancestral cultura que pouco ou nada possui e que a nada tem direito, nem sequer a uma pátria. E fá-lo Israel com a complacência e apoio activo dos Estados Unidos da América e de vários países europeus – EUA a quem, como prioridade de política internacional, importa manter o seu principal aliado no Médio Oriente com botas de aço sempre reforçadas, o mesmo é dizer, na região do petróleo e na rota para a Rússia, para o Irão, para os países árabes e para os países asiáticos do Índico e do Pacífico.

Por isso dizemos, diz o MPPM – que entende como legítima a resistência dos palestinos contra a ocupação do seu país – que é urgente:

  • exigir a retirada das tropas de Israel do território palestino, o cessar-fogo e o fim do terrorismo militar em Gaza e em toda a Palestina, incluindo os ataques às aldeias da Cisjordânia;
  • exigir o fim da escalada da guerra e do seu potencial alastramento a todo o Médio Oriente – o que seria uma calamidade não só para uma região do globo há muito flagelada por guerras e pelo terrorismo, mas também para toda a Humanidade;
  • reclamar o fim da complacência e do apoio militar e financeiro dos EUA e doutros países, nomeadamente da Europa, à lógica belicista, incumpridora de direitos humanos e genocida do estado de Israel;
  • exigir – no respeito pela coexistência de dois estados – avanços decisivos na criação de um estado independente e soberano no território da Palestina com capital em Jerusalém Oriental, e garantindo o direito de retorno dos refugiados – cumprindo-se desse modo as promessas exaradas em acordos internacionais reconhecidos pela ONU, designadamente os de Oslo, que este ano perfazem três décadas;
  • instar o governo português e outros governos a escutarem o clamor que se ergue por todo o mundo em solidariedade com o povo palestino (vozes que não podem ser caladas, nem por esses governos nem pelos media dominantes) e reclamar desses governos posições de condenação da violação do direito internacional e humanitário por parte de Israel, e de defesa dos legítimos direitos do povo palestino;
  • reconhecer que só haverá paz no Médio Oriente quando acabar o bloqueio dos caminhos para a paz e para a criação da Palestina independente.

Com a Palestina estamos e com os seus poetas, os da dor e os da esperança, como o jovem poeta de Gaza Yahya Achour (n. 1998), que à esperança num futuro melhor dedicou este curto mas belo poema:

A MELHOR MANEIRA DE OFERECER FLORES

O meu pai
não oferecia à minha mãe
ramos de flores
Oferecia-lhe
estacas e rebentos

(As Pedras Têm Entranhas? Antologia de poemas palestinianos, 2022, tradução de Regina Guimarães)
Palestina vencerá!


José António Gomes é escritor, investigador e professor do ensino superior. É membro da Direcção Nacional do MPPM. Usa o pseudónimo literário João Pedro Mésseder.


Este é o texto da intervenção de José António Gomes no Painel 1 – Paz e Desarmamento do III Encontro pela Paz realizado em Vila Nova de Gaia em 28 de Outubro de 2023.


Os artigos assinados publicados nesta secção, ainda que obrigatoriamente alinhados com os princípios e objectivos do MPPM, não exprimem necessariamente as posições oficiais do Movimento sobre as matérias abordadas, responsabilizando apenas os respectivos autores.

José António Gomes | É legítima a resistência dos palestinos à ocupação
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