«Sociedade Cega», por Jorge Fonseca de Almeida

Vivemos, no Ocidente, na sociedade da cegueira, uma sociedade em que o cidadão é bombardeado incessantemente com desinformação, em que pouco do que parece é, em que a verdade tem dificuldade em vir à superfície.

Uma sociedade em que os factos são teatralizados, interpretados, muitas vezes fabricados para destruir um adversário. Uma sociedade em que se provoca o adversário até o limite para depois o culpar de reagir. Uma sociedade em que um manto negro de propaganda, notícias falsas e o uso incessante das técnicas de desinformação, e dos estratagemas de Schopenhauer descritos no seu famoso livro A Arte de ter Sempre Razão, cria um fumo tão espesso que não nos deixa ver o que está em frente dos nossos olhos.

Numa tal sociedade a duplicidade de critérios, a amoralidade, medra e cresce. O genocídio de milhares de palestinos passa por "direito a defender-se" e o direito à resistência dos palestinos que se vêm atacados, espoliados e expulsos das suas terras e casas é apresentado como "terrorismo". Num tal mundo em que a regra é sempre "se os Estados Unidos apoiam está certo e se estão contra está errado", perdem-se os valores humanos.

É penoso abrir a televisão e ver académicos e militares justificar o genocídio de um povo, a destruição sistemática e generalizada dos seus bairros, mesmo os mais precários, a invasão de hospitais e a matança de crianças internadas nos cuidados intensivos como "legitima defesa". São estas pessoas desprovidas de sentimentos, falhas de humanidade, carentes de valores humanos que nos dizem como pensar, como sentir.

É com estes arautos do genocídio que se formam os nossos jovens, que crescem as nossas crianças, que se anulam e reencaminham o sentir moral do e a verticalidade do nosso povo.

Não admira que cresçam nesta sociedade ocidental as organizações de extrema-direita, as estruturas racistas, a violência policial, a perseguição política, a proibição de quem não pense como as autoridades pretendem.

Em Portugal várias associações foram "visitadas" pela Polícia, os seus responsáveis incomodados, só porque defendem um cessar-fogo na Palestina. Vejam bem por defender o fim da morte diária de centenas de crianças. Na mesma semana, num bairro da Amadora, a Polícia obrigou as pessoas que saiam de uma Igreja a ficar encostadas à parede durante horas, revistando-as, batendo-lhes, insultando-as. No fim libertaram-nas sem explicações. Os vídeos desta selvajaria estão nas redes sociais.

Nada disto surge nos horários nobres, nem nos outros menos nobres. E no entanto se fosse na Rússia seriam motivo de abertura de telejornais. Se fosse na China seriam um escândalo mundial de negação dos Direitos Humanos. Por cá apenas o normal, a vida de todos os dias.

Defender o cessar-fogo, a Paz, eis um crime de primeira grandeza nesta sociedade da cegueira. Bem poderíamos dizer "onde é que isto chegou". Cinquenta (50) anos depois do 25 de Abril é nisto em que se transformou a liberdade sonhada.


Jorge Fonseca de Almeida é Economista e membro da Direcção Nacional do MPPM


Este artigo foi originalmente publicado na edição digital do Diário de Notícias em 4 de Dezembro de 2023


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