“Não consigo respirar”: o mesmo acontece na Palestina mas o mundo prefere ignorar

Numa reacção à morte de George Floyd ao ser detido pela polícia de Minneapolis, o maratonista palestino Mohammad Alqadi publicou na sua conta no Twitter quatro fotografias de soldados israelitas imobilizando palestinos com o joelho sobre o pescoço ou sobre a cabeça e com este comentário: «É extraordinário como o mesmo acontece na Palestina, mas o mundo opta por ignorá-lo».

Para os palestinos que vivem sob ocupação militar em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia ocupada, os piores excessos, do tipo dos que se verificaram recentemente nos EUA, são uma ocorrência quase quotidiana, para já não referir o massacre a sangue frio e à distância perpetrado durante meses a fio pelos atiradores especiais de Israel contra os manifestantes da Grande Marcha do Retorno. Não admira, por isso, que os palestinos tenham sido rápidos a estabelecer paralelos entre as imagens do homem que agonizava sob o joelho do polícia americano e os estrangulamentos semelhantes utilizados pelas forças de ocupação israelitas.

Neta Golan, cineasta israelita defensora dos direitos dos palestinos, recorda: «Quando vi a fotografia do polícia Derek Chauvin a assassinar George Floyd […] lembrei-me de quando muitos soldados israelitas começaram a usar esta técnica de se ajoelharem sobre o nosso peito e pescoço quando estávamos a protestar na Cisjordânia, em 2006. […] Dois dos meus amigos tiveram o pescoço partido, mas felizmente sobreviveram.»

Linda Mansour, uma advogada americana de origem palestina, disse ao Al-Monitor: «Desde o 11 de Setembro, pelo menos 31 estados norte-americanos participaram em programas de intercâmbio de formação policial dos seus agentes em Israel. As tácticas repressivas e perigosas aprendidas incluem o joelho no pescoço.»

Esta ligação é confirmada pela Amnistia Internacional num relatório de 2016 intitulado: «Com quem é que muitos departamentos policiais dos EUA estão a receber formação? Com um violador crónico dos direitos humanos – Israel». Aqui é referido que centenas de agentes de mais de uma dezena de estados norte-americanos viajaram para Israel para receber formação sobre controlo de multidões, uso da força e vigilância dada pela polícia nacional de Israel, pelos serviços militares e pelos serviços secretos. Milhares de outros – incluindo do estado de Minnesota, onde ocorreu a morte de George Floyd – receberam formação nos Estados Unidos, dada por agentes israelitas.

Para a Amnistia Internacional, «estas acções de formação colocam […] agentes da autoridade norte-americanos nas mãos de sistemas militares, de segurança e policiais que há anos vêm acumulando violações dos direitos humanos documentadas» pela própria Amnistia, por outras organizações de direitos humanos e mesmo pelo Departamento de Estado dos EUA.

Recorde-se que Portugal, através do Ministério da Justiça, chegou a estar envolvido no projecto Law-Train, financiado pela União Europeia, que visava desenvolver tecnologia para unificar a metodologia para interrogatórios policiais. Um dos parceiros do projecto era o Ministério da Segurança Pública de Israel, responsável pelas forças policiais, que são há muito denunciadas por organizações dos direitos humanos e pelas Nações Unidas por integrarem nos seus interrogatórios a tortura, os maus tratos, o racismo e outras formas de violação dos direitos humanos. Na sequência da pressão de diversas organizações, entre as quais o MPPM, Portugal retirou-se do projecto.

Lamentavelmente, esta percepção de Israel como «violador crónico dos direitos humanos» não está assumida, nem ao nível nacional nem ao nível da União Europeia, onde Israel continua a ser um parceiro de negócios estimado e um generoso beneficiário de fundos comunitários.

Foto: Soldado israelita subjuga detido palestino com pressão do joelho no pescoço (Mohammad Alqadi no Twitter)

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