Mais de uma centena de mortos em ataques sauditas ao Iémen

Pelo menos 80 pessoas foram mortas na passada sexta-feira quando aviões da coligação liderada pela Arábia Saudita atingiram com mísseis um centro de detenção na província iemenita de Saada, controlada pelos Houthi.

Oito agências de ajuda humanitária que operam no Iémen disseram, numa declaração conjunta, que estavam «horrorizadas com a notícia de que mais de 70 pessoas, incluindo migrantes, mulheres e crianças, foram mortas num desrespeito flagrante pela vida de civis».

A prisão em Saada foi utilizada como centro de detenção para migrantes, que constituíram muitas das vítimas.

«Migrantes em busca de uma vida melhor para si próprios e para as suas famílias, civis iemenitas feridos às dezenas, é um quadro que nunca esperávamos acontecer no Iémen», disse Gillian Moyes, directora da Save the Children no Iémen.

Durante a última semana, a coligação liderada pelos sauditas intensificou os bombardeamentos aéreos sobre o que disse serem alvos militares ligados aos Houthis, alegadamente em retaliação contra ataques aéreos, na segunda-feira, contra os Emirados Árabes Unidos (EAU), que fazem parte da coligação.

Na terça-feira, pelo menos 14 pessoas foram mortas após a coligação ter levado a cabo ataques aéreos na capital Sanaa.

Mais a sul, na cidade portuária de Hodeida, pelo menos três crianças foram mortas quando os ataques aéreos da coligação liderada pela Arábia Saudita atingiram uma instalação de telecomunicações enquanto brincavam nas proximidades, revelou a organização Save the Children.

Os ataques, os mais mortíferos em mais de dois anos, ocorreram no meio de uma escalada sem precedentes no conflito no Iémen, onde a coligação liderada pela Arábia Saudita, com os Emirados Árabes Unidos como membro, tem vindo a realizar ataques aéreos desde 2015.

Conselho de Segurança acusado de parcialidade

O Secretário-Geral da ONU condenou os ataques aéreos da coligação liderada pela Arábia Saudita à cidade de Saada e outras áreas controladas pelos Houthi e apelou a «investigações rápidas, eficazes e transparentes para assegurar a responsabilização».

António Guterres lembrou que «todos os ataques dirigidos contra civis e infra-estruturas civis são proibidos pelo direito humanitário internacional».

Na sexta-feira, o Conselho de Segurança da ONU condenou os «hediondos ataques terroristas» nos EAU, bem como em outros locais da Arábia Saudita reclamados pelos Houthis, e sublinhou a necessidade de responsabilizar os perpetradores «e levá-los à justiça».

Mas a sua acção é muito criticada.

«Os grupos de direitos humanos criticaram a abordagem do Conselho de Segurança como sendo unilateral. O Conselho emitiu uma declaração, mas mais uma vez apenas sobre o ataque [pelos Houthis] com drone a Abu Dabi», comentou James Bays, da Al Jazeera, em Nova Iorque.

Jamal Benomar, antigo enviado especial da ONU para o Iémen, disse que os ataques aéreos são os mais recentes de uma série de crimes de guerra cometidos pela coligação liderada pela Arábia Saudita e critica fortemente o Conselho de Segurança.

«Desde o início desta guerra, não tem havido qualquer tipo de responsabilização. É um fracasso não só dos Estados Unidos, mas também dos membros permanentes do Conselho de Segurança.»

«A realidade é que os cinco membros, em vez de cooperarem para tentarem encontrar uma forma de obrigar os sauditas a acabar com a guerra no Iémen e obrigar as partes no Iémen a entrar de boa-fé num processo político, para pôr fim a este conflito, têm de facto estado a competir por contratos lucrativos com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos».

Anos de mediação conduzida pela ONU não conseguiram quebrar o impasse, com a organização, nas últimas semanas, a alertar para uma determinação renovada das partes beligerantes em forçar o seu adversário a submeter-se.

«A pior crise humanitária do mundo»

A coligação liderada pelos sauditas entrou na guerra civil do Iémen em 2015 para tentar restaurar o governo do presidente Abd-Rabbu Mansour Hadi, derrubado pelos Houthis no ano anterior e criou o que a ONU descreveu como «a pior crise humanitária do mundo».

Cerca de 130 000 pessoas, incluindo mais de 13 000 civis, foram mortas, de acordo com o Armed Conflict Location and Event Data Project.

Num relatório publicado no final do ano passado, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento calcula que mais de 377 000 pessoas tenham morrido devido ao conflito, em que cerca de 40 por cento foram vitimadas por combates na linha da frente e ataques aéreos e as restantes 60 por cento foram o resultado de causas indirectas, incluindo a fome e doenças evitáveis.

As crianças representam 70 por cento das mortes. As agências de ajuda dizem que isto se deve à vulnerabilidade dos bebés e à complexidade do prolongado conflito, que tem tido um pesado impacte nos serviços sociais e de saúde.

De acordo com o Programa Alimentar Mundial (PAM), cerca de 16,2 milhões de iemenitas, ou cerca de 45 por cento da população total, têm insegurança alimentar. Mais de cinco milhões de pessoas estavam à beira da fome.

A desnutrição entre crianças e mulheres grávidas ou a amamentar é outra preocupação premente, com o PAM a advertir que os dois grupos foram vítimas particulares da desnutrição.

O conflito também forçou a fuga de cerca de 4,6 milhões de iemenitas, de acordo com os números da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

O ACNUR estima que cerca de 67 por cento dos deslocados internos do Iémen, ou cerca de 2,6 milhões de pessoas, estão actualmente em situação de insegurança alimentar.

As crianças e mulheres são também desproporcionadamente afectadas pelo conflito, representando 79 por cento da população total de deslocados internos.

Um futuro sombrio

Sem um fim à vista para o conflito, os analistas dizem que o Iémen enfrenta um futuro sombrio.

No início deste mês, a ONU lançou o alarme sobre as hostilidades em curso, dizendo que as partes beligerantes aceleraram os esforços para reivindicar a vitória na frente de batalha.

«Ao fim de sete anos no caminho da guerra, a crença dominante de todas as partes beligerantes parece ser a de que, se infligirem danos suficientes à outra, irão forçá-la a submeter-se», disse Hans Grundberg, enviado do Secretário-Geral da ONU ao Iémen, numa reunião do Conselho de Segurança. «Contudo, não existe uma solução sustentável a longo prazo que possa ser encontrada no campo de batalha».
 

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