«VI Congresso do Fatah», por Júlio de Magalhães

Iniciado no passado dia 4, o VI Congresso do Fatah (acrónimo reverso de Harakat al-Tahrîr al-Watanî al-Filastînî – Movimento de Libertação Nacional da Palestina), em Bethlehem (Belém), com a presença de cerca de 2.300 delegados, reelegeu como presidente do Movimento, no dia 7, o histórico Mahmud Abbas (Abu Mazen), companheiro e sucessor de Yasser Arafat à frente do partido.
A palavra “fatah” ou “fath” significa em árabe “abertura”, “início”, “conquista” ou “vitória”, e foi adoptada, dado que o acrónimo não reverso “hataf” significa em árabe “morte”. O acrónimo reveste-se também de fortes conotações islâmicas, já que a primeira sura, ou capítulo do Corão, a sua abertura ou prólogo, é designada Al-Fâtiha. 
O Fatah foi criado em 1954 por Yasser Arafat (Abu Ammar) e por Khalil al-Wazir (Abu Jihad), este assassinado em Tunis, em 1986, por comandos israelitas, aquele falecido em Paris, em 2004, segundo se crê na sequência de envenenamento por parte dos serviços secretos israelitas.
Este congresso é o primeiro que se realiza em solo palestino (na Cisjordânia) e o primeiro que se efectua em 20 anos, depois do congresso de Tunis, em 1989, ainda sob a liderança de Arafat.
Pretendia-se com a realização desta reunião magna um rejuvenescimento da direcção do movimento e uma profunda discussão das políticas a prosseguir face à cisão do Hamas (Harakat al-Muqâwamat al-Islâmiyyah – Movimento de Resistência Islâmica), em Gaza, à proclamada nova atitude dos Estados Unidos da América em relação ao Médio Oriente e à instalação de um governo de extrema-direita em Israel. A desejada alteração da composição dos órgãos dirigentes decorria também da necessidade premente de limpar a face do Fatah, acusado nos últimos anos de ineficácia, nepotismo e corrupção.
A prevista duração de três dias alongou-se até ao dia 13, quando Mahmud Abbas declarou encerrada a conferência, ainda sem o apuramento definitivo dos membros do Conselho Revolucionário. Este prolongamento deveu-se essencialmente à natureza das matérias em discussão e à dificuldade de comunicação com os dirigentes do Fatah sediados em Gaza e que foram proibidos pela direcção do Hamas de se deslocar à Cisjordânia. Esta situação motivou que as votações, quando possíveis (dado que o Hamas sequestrou computadores e telemóveis), tiveram de se efectuar por via telefónica ou por e-mail, tendo alguns delegados acabado por renunciar ao seu mandato.
Para o Comité Central, composto por 18 membros, entraram agora 14 elementos da chamada “nova guarda” (todos homens, relativamente jovens e provenientes não da diáspora mas dos territórios ocupados), tendo sido acrescentado um 19º lugar, segundo anunciou Ahmad Sayad, presidente da Comissão Eleitoral. O Comité deverá posteriormente cooptar mais três pessoas para perfazer o número definido de 22 membros, a que se acrescentará, por inerência, o presidente do Fatah, Mahmud Abbas.
Assim, a composição do Comité Central é a seguinte:
Mahmud Abbas, Mohammed Ghneim (Abu Maher), Mahmud al-Alul, Marwan Barghuthi, Nasser al-Qidwa, Salim Za’nun, Jibril Rajub, Tawfiq Tirawi, Saeb Erekat, Othman Abu Gharbiya, Mohammed Dahlan, Mohammed al-Madani, Jamal Muheisen, Hussein al-Sheikh, Azzam al-Ahmad, Sultan Abul Aynein, Tayyib Abdul Rahim, Abbas Zaki, Nabil Sha’ath e Mohammed Shtayeh, mais os três membros a designar.
Este novo Comité inclui figuras como o carismático Marwan Barghuti, de 50 anos (secretário geral do Fatah para a Cisjordânia), condenado a prisão perpétua por Israel (devido à suposta participação em atentados terroristas) mas considerado por muitos como o sucessor natural de Arafat e cuja libertação tem sido defendida, mesmo em Israel e por elementos do Governo Judaico, por ser considerado um dos potencialmente mais válidos interlocutores do lado palestino; Mohammed Dahlan, de 48 anos, antigo homem forte do Fatah na Faixa de Gaza, figura muito controversa e cuja expulsão do movimento chegou mesmo a ser pedida neste Congresso; Jibril Rajub, de 56 anos, ex-chefe da Segurança Preventiva em Gaza; Tayyib Abdul Rahim, assessor do presidente Abbas, que só ingressou no Comité devido a uma recontagem dos votos que modificou sete dos resultados iniciais do escrutínio.
Dos mais notáveis excluídos, e para grande surpresa, figura Ahmad Qurei (Abu Alaa), de 72 anos, ex-primeiro-ministro de Yasser Arafat, que sofre de problemas cardíacos e é acusado, dentro do movimento, de actos de corrupção.
O Conselho Revolucionário, uma espécie de parlamento do partido, contará com 120 elementos, 80 dos quais eleitos pelos delegados do Congresso, cujo apuramento não estava definitivamente concluído à data de encerramento do mesmo.
O Doutor Uri Davis, professor da Universidade palestina Al-Quds, na periferia leste de Jerusalém, foi eleito, em 31º lugar, entre os novos 80 membros do Conselho Revolucionário do Fatah. É a primeira vez que um judeu israelita ocupa um lugar nos corpos dirigentes do Fatah. O académico Uri Davis, de 66 anos, tem defendido sempre a existência de um único estado secular e democrático no território da Palestina histórica, rejeitando o projecto sionista de um Estado Judaico.
A orientação política adoptada pela nova direcção do Fatah privilegia a via negocial para um acordo com Israel com vista ao estabelecimento do Estado Palestino, independente e soberano, mas não renuncia à opção pela “luta armada”, quando necessária, nem à proclamação unilateral da independência, caso as conversações com o Governo Judaico voltem, mais uma vez a fracassar ou se prolonguem indefinidamente no tempo, através de medidas dilatórias em que o governo de Telavive é especialista consumado.
O Congresso aprovou ainda a resistência e desobediência civil contra a expansão dos colonatos e contra o famigerado muro de separação na Cisjordânia. Foi condenada ainda a cisão do Hamas levada a cabo em 2007 na Faixa de Gaza e feito um apelo à unidade das diversas facções políticas palestinas. A esse respeito, o rei Abdullah, da Arábia Saudita, comunicou aos delegados que as dissensões internas no seio do movimento palestino eram mais nocivas à causa da independência do que o próprio “inimigo” israelita.
O recomeço das negociações com Israel deverá obedecer à satisfação de condições como a libertação dos prisioneiros palestinos das prisões israelitas, o congelamento imediato dos colonatos, como aliás foi exigido por americanos, europeus e russos, e o levantamento do bloqueio à Faixa de Gaza.
Um elemento do Tanzim (“organização”, em árabe), uma das facções mais militantes da “nova guarda” do Fatah, Hussam Khader, interpelou Mahmud Abbas em plena sessão, para lhe dizer que ele era ali um elemento como os outros e que, por isso, deveria deixar falar os críticos, o que não seria tolerado no tempo de Arafat. Este incidente, que provocou naturalmente o maior interesse nos media árabes, demonstra amplamente a importância das mudanças no seio do Fatah e a liberdade de palavra concedida a todos os membros.
17 de Agosto de 2009
Júlio de Magalhães
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