Saramago e a ocupação israelita em foco na sessão do Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino

O MPPM assinalou o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino, nesta terça-feira, 29 de Novembro, com um sessão pública na Casa do Alentejo, em Lisboa, que contou com a presença de uma centena de pessoas.

Antes de iniciar a sessão, Carlos Almeida, vice-presidente do MPPM, que moderou por impedimento, por motivos de saúde, da presidente Maria do Céu Guerra, propôs que se observasse um minuto de silêncio em memória dos cinco palestinos que neste dia foram assassinados pelas forças de ocupação israelitas.

Deu-se então início a uma singela homenagem a José Saramago, militante da causa do povo palestino e fundador do MPPM, na ocasião do centésimo aniversário do seu nascimento.

Impossibilitada de estar presente, Pilar Del Rio, viúva de Saramago, enviou da Feira do Livro de Guadalajara, no México, onde se encontra, uma mensagem gravada simbolicamente no stand das Nações Unidas: «Este é o melhor sítio porque não encontrei um stand da Palestina; se não, falaria daí».

«Unir os contextos, os nomes de Palestina e de José Saramago, é uma evidência, porque José Saramago esteve sempre com a Palestina».

«A Palestina existe. Existia há 75 anos, quando a ONU o declarou, e existe agora. Aí, desde então homens e mulheres não perdem um só dia para reivindicar o seu direito a existir, a serem livres, a serem iguais, a serem independentes». A estes homens e mulheres «mostro o meu respeito, a minha admiração e o meu testemunho de gratidão».

«Essa liberdade, que tem de ser a bandeira de todos os seres humanos, espero que seja sua em breve. E também a bandeira da Palestina, não só nos territórios mas também nos corações de todos os homens e mulheres que habitam esta aldeia humana.»

«Estes são os meus desejos e fico em silêncio para continuar a aprender.»

Jorge Cadima, da Direcção Nacional do MPPM, evocou, de seguida, a ligação de José Saramago à Palestina e ao MPPM, enquanto eram projectadas imagens da vista de Saramago à Palestina e da sua participação em iniciativas do MPPM. Disse Jorge Cadima, a abrir:

«José Saramago foi um homem totalmente comprometido com o seu tempo, em particular com a luta dos seres humanos e dos povos pela emancipação de todas as formas de exploração e opressão. O drama do povo palestino, a sua causa nacional, a sua heróica luta contra a ocupação e pela liberdade, teve em José Saramago uma voz empenhada, corajosa e sentidamente solidária.

Saramago sempre quis juntar a sua voz lúcida e firme à de outros portugueses em iniciativas que abriram caminho à criação do MPPM e, sobretudo, em defesa da vida e do futuro do povo palestino.»

Recordou, então, diversas situações em que José Saramago aderiu a tomadas de posição do MPPM em defesa do povo palestino e a sua participação em sessões públicas organizadas pelo MPPM, sempre que a sua ocupada agenda o permitia, por vezes ao lado de destacadas figuras palestinas.

Mereceram especial destaque a visita que efectuou à Palestina em 2002, integrando uma delegação do Parlamento Internacional do Escritores, que se encontrou com Yasser Arafat e Mahmoud Darwich, e as declarações que proferiu, impressionado com o que tinha visto.

Concluiu Jorge Cadima:

«O MPPM orgulha-se de ter contado na sua actividade com o contributo único e activo de José Saramago em prol de um movimento de solidariedade com a causa do povo palestino mais forte e interveniente. Saramago esteve na génese da criação do MPPM e presidiu à Mesa da Assembleia Geral até ao seu falecimento.

Hoje, mais do que nunca, o exemplo, a lição, a obra e o legado de José Saramago são da maior actualidade e exigência. Saramago vive e viverá na continuidade da sua — e nossa — luta pela libertação do povo palestino, por uma humanidade liberta da opressão, por um mundo em paz.»

[Texto integral da intervenção de Jorge Cadima em anexo]

A concluir esta homenagem, foi apresentada a gravação de uma entrevista que José Saramago deu à esquerda.net após a sessão pública de solidariedade evocativa dos 60 anos da Nakba, realizada em 26 de Maio de 2008, em que era convidado especial Mohammad Barakeh, deputado no parlamento israelita e presidente da Hadash – Frente Democrática pela Paz e Igualdade).

Disse José Saramago:

«Grande parte do mundo está em situações igualmente trágicas. […] Como não podemos fazer isso com toda a gente, há situações a que somos mais sensíveis e uma delas é a do povo palestino. Mesmo assim, não somos tantos quanto seria bom. Seria importante que houvesse mais portugueses a apoiar qualquer acção de solidariedade com o povo palestino».

«O que há que fazer é ampliar o que podíamos chamar de base social dessa situação. E aqui o MPPM tem desenvolvido uma acção importante, remando contra ventos e marés, porque apoios não tem nenhuns. É nossa obrigação empurrar esta causa para diante.»

«Se chegar à Palestina o eco de que aqui em Lisboa se realizou este acto, já é algo.»

Concluído este espaço de homenagem a José Saramago, seguiram-se as intervenções alusivas à data que se assinalava.

Começou por falar Carlos Matos Gomes, coronel do exército na reserva, escritor, militar de Abril. Eis alguns excertos da sua intervenção:

«Não existe direito internacional. Entre Estados, o que existe é o direito da força. O direito internacional resume-se a justificar o domínio pela força.»

«O uso da força e da violência é hoje a lei na Palestina. A repetição do colonialismo, da intolerância, da escravatura, do racismo, do nazismo, devia envergonhar-nos enquanto seres humanos. Nos 5000 anos de humanidade não aprendemos nada.»

Matos Gomes discorda de Santo Agostinho: «Não há guerras justas. […] Na guerra, os nossos são os bons, os outros são os maus. Devíamos reconhecer que os outros são iguais a nós, mas isso não sucede, o que temos é a violência animalesca.»

«Os Estados Unidos têm interesses estratégicos na Palestina. Israel é hoje o que o Krak dos Cavaleiros foi antigamente», uma fortaleza implantada no coração do Médio Oriente para apoiar as acções expansionistas do Ocidente.

«O que está a acontecer na Palestina é uma guerra de extermínio. O Estado de Israel é um Estado totalitário que só visa o extermínio dos Palestinianos. Resta aos Palestinianos resistir. E as forças progressistas devem apoiar a resistência dos Palestinianos.»

«Com a Palestina, lutamos por um mundo mais justo.»

Seguiu-se a intervenção do Dr. Nabil Abuznaid, Embaixador da Palestina em Portugal, que começou por agradecer, em nome do povo palestino, em nome das mães e dos pais das vítimas de Israel, «estarem com a Palestina […] e o vosso compromisso de levar esta luta até à vitória».

«Israel foi criado pelo imperialismo dos Estados Unidos e da Europa Ocidental. Israel foi criado para salvar o imperialismo no Médio Oriente. […] O imperialismo quis usar a Palestina para resolver o problema dos Judeus.»

«A ocupação israelita é muito mais difícil que o racismo na África do Sul. Porque na África do Sul aceitavam que os nativos ficassem nas sua terras, mas na Palestina Israel quer expulsar os nativos. […] É difícil pôr travão a este expansionismo que se traduz pelos colonatos, pela ocupação das terras.»

«Israel é uma questão de política interna e não de política externa dos EUA. Republicanos ou democratas, todos os candidatos começam as suas campanhas com uma visita a Israel. […] Não esperamos nenhuma alteração da política dos EUA para Israel.»

«A Europa acha que os EUA são a chave para a solução e, por isso, seguem tudo o que eles dizem. […] O apoio da Europa à Autoridade Palestina é, na realidade, um apoio à ocupação, porque o dinheiro vai para alimentação, para saúde, para educação, que são obrigações da potência ocupante.»

«Portugal não reconhece o Estado da Palestina porque não quer reconhecer os territórios ocupados como sendo do Estado da Palestina, e isso só favorece a ocupação.»

«O povo de Israel elegeu um governo fascista que vai tomar posições demenciais contra o povo palestino. Vamos assistir a mais mortes na Palestina.»

«Temos de convencer o governo português a tomar medidas que ponham termo aso assassinatos. Só declarações não são suficientes.»

A concluir, o Embaixador da Palestina citou Yasser Arafat, que disse: «A luta vai continuar até que uma criança palestina possa erguer a bandeira palestina em Jerusalém, capital da Palestina», e Mahmoud Darwich, que dizia: «O povo palestino só tem duas opções: vitória ou vitória».

Encerrou a sessão Carlos Almeida, historiador e vice-presidente do MPPM, que recordou que a celebração de 29 de Novembro como Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino foi instituída em 2 de Dezembro de 1977, pela Assembleia Geral da ONU, para recordar que, nos 30 anos volvidos desde a aprovação, em 29 de Novembro de 1947, da Resolução 181, dita da partilha, nada tinha sido feito para resolver a situação do povo palestino. Do mesmo modo, está por cumprir a resolução 194, de 1949, que estabelece o direito ao retorno dos refugiados palestinos que o pretendam.

Actualmente vivem, na Margem Ocidental e em Jerusalém Oriental, 620 000 colonos judeus. Israel controla totalmente 60% da Margem Ocidental e tem controlo militar sobre mais 22%. Gaza vai entrar no 16º ano de cerco e foi alvo de grandes agressões em 2008, 2009, 2012, 2014 e 2021. As marchas do Retorno, não violentas, provocaram 300 mortos e 9000 feridos palestinos. A ONU considera que 2022 está a ser o ano mais mortífero para os Palestinos desde 2005, quando começo a registar dados. Nas prisões de Israel há 4760 presos palestinos, dos quais 820 em detenção administrativa; 160 são menores e 33 são mulheres.

«Há um grande contraste entre o direito internacional e as resoluções da ONU, e o que se passa no terreno. […] Se o mundo se levantou em uníssono com sanções e bloqueios à Rússia pelo que se passa na Ucrânia, porque é que não faz o mesmo a Israel pelo que se passa na Palestina?».

«No próximo ano assinalam-se 30 anos dos Acordos de Oslo. Israel devia retirar dos territórios ocupados no prazo de 5 anos. Não se retirou e o número de colonos quintuplicou.»

«Nada do que fez Trump em relação a Israel foi alterado por Biden: mantém a embaixada em Jerusalém; promove as relações com as monarquias corruptas do Médio Oriente; suporta a política de ocupação.»

«O que existe hoje em Israel é o resultado de décadas de apartheid, de racismo, de colonialismo, de supremacismo.»

«São 75 anos de ocupação, mas são também 75 anos de resistência: de resistência contra a ocupação, mas também de resistência contra o silêncio, a hipocrisia e o esquecimento.»

«O povo palestino não aceita nada menos que justiça. Não aceita soluções impostas sob ameaça ou chantagem. Não aceita que não reconheçam os direitos dos refugiados. Não aceita que não reconheçam a sua soberania sobre Jerusalém.»

«É o momento de afirmarmos a nossa solidariedade, uma solidariedade que reconheça o direito do povo palestino a decidir o seu destino e a sua forma de resistir. Vamos dizer aos pais e mães das vítimas de Israel, aos palestinos da Margem Ocidental e da Faixa de Gaza, aos que estão nas prisões de Israel, que há aqui um povo que faz suas as lutas deles.»
 

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