Novo colonato que Israel planeia para Jerusalém Oriental pode ser o golpe fatal para a solução dos dois Estados

Israel planeia contruir um novo colonato com 9000 unidades habitacionais nos terrenos do aeroporto de Jerusalém, em Atarot, entre as localidades palestinas de Kfar ‘Aqab, Qalandiya e Ar Ram, a sul de Ramala, revela a organização israelita de direitos humanos Peace Now em relatório recentemente publicado.

Para esta organização, este é um plano perigoso que pode dar um golpe fatal na solução dos dois Estados. O bairro planeado fica encravado na continuidade territorial urbana palestina entre Ramala e Jerusalém Oriental, inviabilizando assim a possibilidade de criação de um Estado palestino com Jerusalém Oriental como sua capital.

Na agenda do Comité de Planeamento Distrital de Jerusalém foi estabelecido que no dia 6 de Dezembro de 2021 terá lugar uma aprovação prévia do plano, após o que será sujeito a discussão pública durante 60 dias. Findo este prazo, o plano será definitivamente aprovado e serão emitidas as licenças de construção.

Se este projecto for por diante, este será o primeiro novo colonato em Jerusalém Oriental desde que o governo de Netanayhu construiu, em 1997, o colonato Har Homa, no sul de Jerusalém Oriental, junto a Beit Sahur.

Impacte político de Atarot

O novo colonato ficará no centro da continuidade territorial urbana palestina que se estende de Ramala, através de Kafr ‘Aqab, Qalanadiya e Ar-Ram, até Beit Hanina, Shu’fat e Sheikh Jarrah, onde vivem centenas de milhares de palestinos.

Este povoamento israelita, encravado na continuidade palestina, impedirá o desenvolvimento da grande metrópole Jerusalém – Ramala – Belém, a mais central e importante do futuro Estado palestino.

A criação de um bairro israelita com milhares de unidades habitacionais, o que significa dezenas de milhares de israelitas, tornaria difícil qualquer futuro acordo baseado em dois Estados devido à falta de continuidade palestina e prejudicaria a possibilidade de fundar uma capital palestina em Jerusalém Oriental.

O fim do aeroporto de Jerusalém

«A construção do colonato de Atarot irá aniquilar o que resta do Aeroporto Internacional de Jerusalém», disse à Agência Anadolu Khalil Tafakji, director do departamento de cartografia da Sociedade de Estudos Árabes, com sede em Jerusalém.

Construído em 1920, o aeroporto de Jerusalém foi aberto em 1924 pelas autoridades britânicas do Mandato. Em 1936, começou a ser utilizado para voos regulares, sendo o único aeroporto da Cisjordânia. Quando Israel ocupou o território, em 1967, restringiu a sua utilização a voos domésticos, antes de o encerrar completamente em 2000.

Tafakji disse que o colonato planeado faz parte de um plano israelita conhecido como o Projecto da Grande Jerusalém. «Israel está a trabalhar incansavelmente para levar a cabo este projecto com vista a isolar Jerusalém dos seus arredores palestinos.»

No relatório da Peace Now refere-se que, embora as autoridades israelitas considerem o aeroporto como um território estatal, algumas das terras do aeroporto são propriedade privada de palestinos. De acordo com a ONG, o plano israelita inclui a demolição de dezenas de casas palestinas construídas na área a pretexto da falta de licenças de construção.

«A demolição do aeroporto de Jerusalém significa que Israel erradicará qualquer hipótese de estabelecer a capital do Estado palestino em Jerusalém Oriental», salientou Tafakji.

Não esquecer o plano E1

A Área C da Cisjordânia, compreendendo 60% do território ocupado, está sob total controlo israelita, sendo a maior parte do território utilizado pela Administração Civil de Israel para a expansão dos actuais colonatos israelitas, ilegal ao abrigo do direito internacional, e o estabelecimento de novos postos avançados por colonos extremistas.

As autoridades israelitas já estão a trabalhar no seu plano E1, que envolve a criação de uma área construída israelita contígua que se estende de Jerusalém até ao colonato Maale Adumim - 11 km para leste da Linha Verde, a fronteira internacionalmente reconhecida que separa Israel da Cisjordânia.

«Isto irá bloquear a ligação oriental de Jerusalém Oriental à Cisjordânia, bem como desligar Ramala e o Norte da Cisjordânia de Belém e do Sul da Cisjordânia», disse o grupo de direitos humanos israelita Ir Amim, referindo-se à área E1.

Destruição dos meios de subsistência de palestinos

Enquanto a burocracia israelita, e os movimentos de colonos israelitas, avançam com a ocupação das terras da Área C, o sofrimento dos palestinos no terreno continua, diz a Al Jazeera numa reportagem sobre o impacte da colonização na vida dos palestinos.

A pequena cidade de Hizma, a caminho de Jericó, fica na Área C entre um posto de controlo militar israelita, o muro de separação e quatro colonatos israelitas ilegais: Neve Yaakov, Pisgat Zeev, Anatot e Geva Binyamin.

A família Khatib está actualmente a recuperar da destruição de 15 das suas instalações comerciais e agrícolas há várias semanas para dar lugar à ampliação de uma estrada que conduz aos colonatos.

«Os soldados vieram a 4 de Agosto por volta das 3:30 da manhã e espancaram vários jovens antes de empregarem maquinaria pesada para destruir a nossa lavagem de carros, oficinas de reparação mecânica e eléctrica, um grande edifício que tínhamos para as nossas cabras, assim como parte da nossa casa», disse Essam Khatib à Al Jazeera.

«O meu pai geriu estes negócios durante mais de 20 anos e estimamos as nossas perdas económicas em aproximadamente 622 000 dólares. Perdemos agora o nosso meio de subsistência, do qual dependem quase 30 membros da nossa família.»

Estado de desespero

As demolições foram efectuadas clandestinamente, segundo o advogado Midhat Dhiba, e seguiram-se a uma petição do grupo de colonos Regavim, em Junho, aos tribunais israelitas.

Contudo, apesar de os tribunais israelitas terem rejeitado a petição original, as autoridades israelitas emitiram novas ordens de demolição a serem executadas no prazo de 24 horas quando os tribunais estavam de férias, explicou Dhiba, segundo relato da agência noticiosa WAFA.

«O meu marido Abdel Aziz, de 75 anos, foi levado a correr para o hospital com problemas cardíacos e está hospitalizado há dias», disse Nihad Khatib, de 61 anos, à Al Jazeera.

«Estamos todos num estado de desespero e receamos que mais demolições sejam efectuadas no futuro, uma vez que reconstruímos alguns dos edifícios.»

Uma política de limpeza étnica

O grupo israelita de direitos humanos B'Tselem diz que, durante décadas, as autoridades israelitas têm vindo a implementar uma política destinada a expulsar as comunidades palestinas, referindo-se às políticas na Área C da Cisjordânia ocupada.

«Tornaram as condições de vida miseráveis e intoleráveis numa tentativa de levar os residentes a sair, ostensivamente por sua própria vontade», diz um relatório do B'Tselem.

«Ao abrigo desta política, as autoridades proíbem qualquer construção de estruturas residenciais ou públicas nestas comunidades, recusam-se a ligá-las às redes de água e energia e recusam-se a pavimentar estradas de acesso às comunidades.»

«Quando, na ausência de qualquer outra alternativa, os residentes constroem sem licenças, a Administração Civil emite ordens para demolir as estruturas.» 

«Em algumas comunidades, as famílias já tiveram as suas casas demolidas várias vezes.»

A B'Tselem disse que a Administração Civil também destruiu infra-estruturas colocadas ou instaladas pelos residentes - tais como cisternas de águas pluviais, estradas e painéis solares para produção de electricidade - e confiscou tanques de água ou cortou condutas de água.

Vidas devastadas

Não foram apenas os membros da família Khatib cujas suas vidas foram devastadas pelas demolições, mas também as dos seus empregados.

Mustafa Ayesh, de Belém, trabalhava como mecânico numa das oficinas há um ano, sustentando uma esposa e quatro filhos.

«Estou agora desempregado e estou a tentar encontrar mais trabalho em Belém, mas há muito poucas oportunidades de emprego lá», disse Ayesh à Al Jazeera.

Ammar Abu Skheidam e Ibrahim Tahboub, ambos de Hebron, estavam empregados numa das oficinas de reparação eléctrica propriedade dos Khatibs. Entre eles, os seus salários sustentavam 25 membros da família na sua terra natal, em Hebron.

«Estamos preocupados com a forma como as nossas famílias vão sobreviver e como vamos ser capazes de as sustentar», disse Tahboub à Al Jazeera.

Ironicamente, um número significativo dos clientes dos Khatib costumavam ser colonos israelitas dos colonatos próximos, porque podiam lavar e reparar os seus carros em Hizma muito mais barato do que em Israel.

Enquanto a Al Jazeera estava no local, vários colonos sentavam-se perto do local da instalação de lavagem de carros demolida, enquanto os seus carros eram lavados à mão.

«Eles sabem o que aconteceu, mas não se importam porque lhes prestamos um bom serviço, barato», disse Essam Khatib à Al Jazeera.

«Estamos tão desesperados por qualquer negócio e para ganhar a vida que ainda os tomamos como clientes para ganhar alguns dólares. O que podemos fazer?»

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