No vigésimo aniversário do Massacre de Jenin

Há vinte anos, no mês de Abril de 2002, o exército israelita bombardeou e assaltou o campo de refugiados de Jenin durante vários dias. As Forças de Defesa de Israel (FDI) iniciaram o assalto no dia 2 e a batalha terminou no dia 11. No entanto, só retiraram no dia 24, depois de concluído o trabalho de ocultação de provas.

As Nações Unidas concluíram que o exército israelita matou 52 palestinos num campo de apenas 40 hectares e que acolhia cerca de 15 000 pessoas. Mas, como escreveu Ilan Pappé por ocasião do 15º aniversário do massacre, «não foram apenas os números envolvidos que chocaram o mundo na altura, mas a natureza brutal de um assalto israelita sem precedentes, mesmo na dura história da ocupação.»

Continua Pappé: «Esta brutalidade pode ser mais bem apreciada quando se visita o campo. Este bairro apinhado de gente foi assaltado do ar por helicópteros-canhão, bombardeado por tanques a partir das colinas sobranceiros e invadido por veículos monstruosos — um híbrido de um tanque e buldózer que os israelitas apelidaram de Achzarit, o brutal —, que arrasou as casas e transformou as ruelas em auto-estradas pelas quais os tanques podiam passar.»

Javier Zuniga, Director de Estratégia Regional da Amnistia Internacional, que entrou no campo de refugiados de Jenin a 17 de Abril de 2002, declarou: «Já estive em ambientes urbanos onde houve combates de casa em casa: Ruanda, Nicarágua, El Salvador, Colômbia, e numa cidade atingida por um terramoto maciço: Cidade do México. A devastação verificada no campo de Jenin teve os piores elementos de ambas as situações. As casas não foram apenas demolidas ou dinamitadas, mas reduzidas quase a pó devido à repetida e deliberada vinda de buldózeres e tanques. Casas trespassadas de parede a parede pelos tanques ou pelos helicópteros-canhão. Casas cortadas ao meio como se fosse por tesouras gigantes. No interior, uma visão assustadora das salas de jantar ou quartos de dormir quase intactos. Nenhum sinal de que aquele quarto ou sala de jantar ou mesmo a casa tivesse sido utilizada por combatentes. Destruição gratuita, injustificada e desnecessária. Carrinhos de bebé, brinquedos, camas por todo o lado. Onde estavam essas crianças? Não sei, mas sei onde estarão os sobreviventes no futuro.»

Yvonne Ridley, uma das primeiras jornalistas a entrar no campo de refugiados de Jenin em Abril de 2002, recorda a circunstância num artigo publicado no Middle East Eye em 14 de Abril de 2020: «As minhas poucas horas em Jenin marcam um dos dias mais negros da minha carreira como jornalista. Sempre que me lembro dele, o odor inconfundível de carne apodrecida de cadáveres escondidos debaixo de montes de escombros pelos israelitas enche-me as narinas.»

A ocultação

Durante o período de 4 a15 de Abril, as FDI negaram o acesso ao campo de refugiados de Jenin a todos, israelitas e palestinos, incluindo médicos e enfermeiros, ambulâncias, serviços de ajuda humanitária, organizações internacionais de direitos humanos e humanitárias, diplomatas e jornalistas.

As ambulâncias da Sociedade do Crescente Vermelho Palestino (PRCS) e as do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) só foram autorizadas a entrar em Jenin em 15 de Abril e os primeiros observadores internacionais só foram admitidos em 16 de Abril.

Uma missão da ONU ordenada pela Comissão dos Direitos Humanos a 5 de Abril de 2002 e chefiada por Mary Robinson, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, não foi autorizada a entrar em Israel e foi dissolvida.

Mesmo uma missão de averiguação de alto nível acordada entre o Ministro dos Negócios Estrangeiros Shimon Peres e o Secretário-Geral da ONU Kofi Annan e saudada pelo voto unânime do Conselho de Segurança não foi autorizada a entrar em Israel e foi dissolvida após semanas de negociações.

Yvonne Ridley, no artigo citado, denuncia a campanha de mistificação criada para escamotear a verdade sobre o massacre. À afirmação de Ariel Sharon, então primeiro-ministro de Israel, de que, em Jenin, só tinham morrido «terroristas», ela contrapõe: «eu vi os corpos dos mortos serem arrancados dos escombros, incluindo crianças, mulheres e um homem numa cadeira de rodas; eles não eram a ideia de "terroristas" para uma pessoa razoável. Na sua tentativa de encobrir o massacre, os israelitas enterraram muitos dos corpos debaixo de edifícios demolidos por um buldózer; alguns ainda estavam vivos quando o buldózer avançou.»

Entre 19 e 28 de Abril de 2002, a Human Rights Watch obteve acesso a Jenin e recolheu provas para um relatório que não deixou dúvidas de que tinham sido cometidos crimes de guerra dentro do campo de refugiados. Apoiada em relatos de cerca de cem testemunhas oculares, uma equipa experiente de investigadores concluiu que «existe uma forte evidência prima facie de que, nos casos abaixo indicados, o pessoal das FDI cometeu graves violações das Convenções de Genebra, ou crimes de guerra. Tais casos justificam investigações criminais específicas, com vista a averiguar e processar os responsáveis. Israel tem a obrigação primária de realizar tais investigações, mas a comunidade internacional também tem a responsabilidade de assegurar que estas investigações se realizem.»

Operação Escudo Defensivo

O ataque ao campo de refugiados de Jenin fez parte da chamada Operação Escudo Defensivo de Israel, durante a qual enviou tropas para as cidades mais importantes da Cisjordânia ocupada. Estava no auge a Segunda Intifada (Al-Aqsa), iniciada em Setembro de 2000.

A ofensiva começou com um ataque à sede do Presidente Yasser Arafat em Ramala. As FDI entraram então em Belém, Tulkarem e Qalqiliya a partir de 1 de Abril, seguidas por Jenin e Nablus a partir das noites de 3 e 4 de Abril. As zonas forma declaradas «áreas militares fechadas», impedindo o acesso ao mundo exterior. As FDI cortaram água e electricidade na maioria das áreas, e impuseram um recolher obrigatório aos residentes dentro das cidades.

Segundo um relatório da Amnistia Internacional publicado em Novembro de 2002, «nos quatro meses entre 27 de Fevereiro e finais de Junho de 2002 — o período das duas principais ofensivas das FDI e a reocupação da Cisjordânia — as FDI mataram quase 500 palestinos. Embora muitos palestinos tenham morrido durante confrontos armados, muitos destes assassínios das FDI pareciam ser ilegais e pelo menos 16% das vítimas, mais de 70, eram crianças. Mais de 8000 palestinos detidos em rusgas maciças durante o mesmo período foram rotineiramente sujeitos a maus-tratos e mais de 3000 casas palestinas foram demolidas.»

«Em Jenin e Nablus, foi montado um cordão apertado de tanques, transportes de tropas blindados e soldados em redor das áreas onde as FDI realizavam operações: campo de refugiados de Jenin e a antiga cidade de Nablus. As casas foram intensamente atacadas por mísseis dos helicópteros Apache», prossegue o relatório.

«Após o primeiro dia, os mortos ou feridos em Jenin e Nablus foram deixados sem enterro ou tratamento médico. Os corpos permaneceram na rua enquanto os residentes que se aventuraram a recolher ou tratar dos mortos ou feridos foram alvejados.»

A resistência

No artigo de Ilan Pappé anteriormente citado, ele descreve a sua visita ao campo de refugiados de Jenin a convite da Universidade Aberta Al-Quds, em Abril de 2017:

«Fotos dos mártires de 2002 e desde então cobrem os muros e as ruas. Por baixo deles encontra-se um grande número de jovens desempregados - o campo de refugiados de Jenin tem uma das mais altas taxas de desemprego de qualquer campo na Cisjordânia.

Ao falar com eles, é evidente que estão determinados a não sucumbir ao desespero ou à apatia. A educação oferecida pela Universidade Aberta Al-Quds é uma forma de lidar com a vida no campo e sob opressão. Mas a resistência continua a ser uma opção.

Afinal, esta é a área de onde surgiu o esforço anticolonialista mais significativo dos palestinos já no início da década de 1930: a rebelião liderada por Izz al-Din al-Qassam.

É simbólico que nesta visita tenha conhecido o seu neto, Ahmad. Falámos brevemente sobre como a imagem histórica do seu avô é distorcida por qualquer pessoa que o compare com os chamados jihadistas dos dias de hoje. Ele estava muito longe de o ser.

Se os britânicos não o tivessem matado em 1935, ele ter-se-ia tornado o Che Guevara palestino. Era um líder anticolonialista carismático que operou entre as pessoas que foram as primeiras vítimas do sionismo na década de 1930: os camponeses e arrendatários expulsos das terras que tinham cultivado durante séculos.»

Em Abril de 2022, como anteviu Ilan Pappé, Jenin continua a ser um foco da resistência palestina. É, também, um alvo preferencial das incursões e dos ataques mortíferos do exército israelita.

Nas duas últimas semanas, as forças armadas de Israel fizeram violentas incursões em Jenin, no campo de refugiados e nas localidades vizinhas de Al Yamoun, Kafa Dan e Faqqua. Para além de dezenas de feridos e detidos, mataram, nomeadamente, os jovens Ahmad Saadi, Mohammad Zakarneh, Shas Kamamji, Mustafa Abu-Arub, Shawkat Kamal Abed, Lutfi Ibrahim Labadi e Hanan Khadour.

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