Mahmoud Abbas pede às Nações Unidas que suspendam Israel

Falando na sessão de Alto Nível com que a ONU assinalou o 75º aniversário da Nakba, o presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, instou a organização mundial a suspender Israel a menos que este ponha termo à sua agressão contra os palestinos e aplique as resoluções da Assembleia Geral que estabelecem Estados israelitas e palestinos separados, bem como o regresso dos refugiados palestinos.

«Apesar das mais de 1000 resoluções adoptadas sobre esta questão desde 1947 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, pelo Conselho de Segurança e pelo Conselho dos Direitos Humanos, nem uma única foi aplicada», salientou Abbas. «A adesão de Israel à Organização implicava a aplicação da resolução 181 da Assembleia sobre a criação do Estado da Palestina e da resolução 194 da Assembleia sobre o regresso dos refugiados palestinos. Como tal, Israel deve respeitar estas resoluções ou ver suspensa a sua qualidade de membro das Nações Unidas», afirmou, sublinhando a duplicidade de critérios no seio da Organização no que respeita à aplicação das resoluções.

A intervenção de mais de uma hora de Mahmoud Abbas abriu a Reunião Especial de Alto Nível que o Comité das Nações Unidas para o Exercício dos Direitos Inalienáveis do Povo Palestino (CEIRPP) realizou em 15 de Maio de 2023 na sede da ONU, em Nova Iorque, para assinalar o 75.º aniversário da Nakba. Pela primeira vez na história da ONU este aniversário foi comemorado em cumprimento de um mandato da Assembleia Geral (Resolução 77/23 de 30 de Novembro de 2022).

O evento de Alto Nível foi presidido pelo presidente do Comité, o Embaixador Cheikh Niang. Incluiu um discurso de abertura proferido pelo presidente do Estado da Palestina, Mahmoud Abbas, e declarações de Rosemary A. DiCarlo, subsecretária-geral para os Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz, do comissário-geral da UNRWA, de representantes dos Grupos Regionais e da sociedade civil.

Ao fim da tarde, realizou-se um evento comemorativo especial na sala da Assembleia Geral. O evento reviveu o percurso palestino e teve como objectivo criar uma experiência imersiva da Nakba através de música ao vivo, fotografias, vídeos e testemunhos pessoais. Esta foi uma ocasião para sublinhar que os objectivos da justiça e da paz exigem o reconhecimento da realidade e da história da situação do povo palestino e a garantia do cumprimento dos seus direitos inalienáveis.

A comemoração contou com uma actuação da cantora palestina Sanaa Moussa, uma «embaixadora do património palestino».

Eugene Friesen, quatro vezes vencedor de um prémio Grammy, dirigiu a Orquestra Árabe de Nova Iorque na interpretação de uma composição musical sobre a Nakba, intitulada Bright Colors on a Dark Canvas, da autoria de Naseem Alatrash, violoncelista e compositor nomeado para os prémios Grammy.

«Esta tragédia constitui uma cicatriz na humanidade»

Na sua intervenção na sessão de Alto Nível, Mahmoud Abbas instou as Nações Unidas a restabelecer os direitos do seu povo e a instituir o dia 15 de Maio como dia internacional para comemorar a sua situação: «Esta tragédia constitui uma cicatriz na humanidade».

«Ao plantar outra entidade na terra natal palestina, para os seus próprios objectivos coloniais, os Estados Unidos e o Reino Unido têm uma responsabilidade política e étnica pela Nakba», sublinhou Abbas. «Os palestinos viviam na região há milhares de anos. A Palestina era uma das terras mais civilizadas da região árabe, com uma cultura vibrante, bibliotecas, jornais, tipografias, muitas exportações agrícolas, terras verdes, lagos e rios. Com as armas de Londres, os sionistas criaram o Estado de Israel, cometeram massacres, demoliram 530 aldeias e deslocaram cerca de 957 000 refugiados, segundo as Nações Unidas. Desde então, Israel tem repetido as suas falsas alegações, que remontam à sua negação dos relatórios emitidos pela Liga das Nações, continua a violar locais sagrados e nega aos palestinos a liberdade de culto nas mesquitas. Além disso, este governo não só violou resoluções, como também ocupa pela força, com o seu bloqueio contínuo de Gaza e quase 750 000 colonos em terras ocupadas.»

Abbas criticou a falsa afirmação de que os palestinos não querem a paz, salientando que aceitaram um Estado em 22% do seu território histórico e que estão dispostos não só a realizar negociações pacíficas, mas também a viver ao lado de Israel em paz e segurança.  Ao referir que Israel está a celebrar o 75º aniversário da sua independência, perguntou: «Independência de quem?»

Fez notar que os membros do governo de ocupação apelam à morte dos palestinos e à demolição das suas casas. Explicando que esta situação faz lembrar a Nakba de 1948, apelou à comunidade internacional para que assuma as suas responsabilidades. Apelou aos tribunais para que defendam os direitos dos palestinos, pediu a adesão plena às Nações Unidas e apelou à Organização para que aplique as suas resoluções.

A resiliência do povo palestino não deve isentar a comunidade internacional das suas obrigações e responsabilidades

No discurso de abertura, Cheikh Niang (Senegal), presidente do CEIRPP, sublinhou que a resiliência do povo palestino não deve isentar a comunidade internacional das suas obrigações e responsabilidades. «É necessário, agora mais do que nunca, recordar ao mundo a Nakba e o sofrimento contínuo do povo palestino», afirmou, salientando a terrível situação actual no Território Palestino Ocupado. «Na ausência de uma solução justa, o Comité continua a apoiar firmemente o mandato da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Médio Oriente (UNRWA) e apela a um financiamento suficiente e previsível da Agência.»

Rosemary DiCarlo, Subsecretária-Geral para os Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz, manifestou a sua profunda preocupação com as perspectivas cada vez mais reduzidas de se chegar a uma solução baseada na existência de dois Estados. «A violência continua a ser generalizada, uma vez que os despejos, as demolições e as confiscações de propriedades palestinas não param – acções que continuam a minar as perspectivas de criação de um Estado palestino viável e contínuo.»

Philippe Lazzarini, Comissário da UNRWA, disse, nomeadamente: «É nossa obrigação e nosso dever nas Nações Unidas ajudar os afectados por crises e os necessitados – os refugiados palestinos não são diferentes. No entanto, a grave crise financeira que a UNRWA enfrenta arrisca a anular os progressos alcançados no desenvolvimento humano de milhões de refugiados palestinos. Apesar de necessitar de uma base financeira sustentável, a UNRWA não é a solução. Não há alternativa a uma solução política para todos. Até esse dia, não há alternativa à UNRWA.»

Leia aqui o relato detalhado da sessão: Marking Anniversary of Nakba, President Tells Palestinian Rights Committee ‘Tragedy Constitutes a Scar on Humanity’

Israel apelou ao boicote – e muitos europeus fizeram-lhe a vontade

O representante de Israel na ONU, Gilad Erdan, classificou o evento de «desprezível» e escreveu uma carta a outros embaixadores instando-os a não comparecerem. De acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, 32 países, incluindo os Estados Unidos, o Canadá, a Ucrânia e 10 países da União Europeia, não compareceram.

A resolução 77/23, da Assembleia Geral da ONU, tinha sido aprovada em 30 de Novembro do ano passado por 90 votos a favor, 30 contra e 47 abstenções. Nela solicitava-se à Divisão dos Direitos Palestinos que dedicasse as suas actividades em 2023 à comemoração do 75º aniversário do Nakba, nomeadamente através da organização de um evento de alto nível na Sala da Assembleia Geral a 15 de Maio de 2023 e através da divulgação de arquivos e testemunhos relevantes.

Entre os países que votaram contra a resolução, incluíram-se os europeus Albânia, Áustria, Bulgária, Croácia, Chéquia, Dinamarca, Estónia, Alemanha, Grécia, Hungria, Itália, Lituânia, Países Baixos, Roménia, São Marino, Eslováquia, Suécia, Suíça e Reino Unido

Chipre, Malta e Turquia juntaram-se aos países que apoiaram a resolução.

Portugal absteve-se, tal como, do bloco europeu, Andorra, Arménia, Bielorrússia, Bélgica, Bósnia e Herzegóvina, Finlândia, França, Geórgia, Islândia, Irlanda, Letónia, Lichtenstein, Luxemburgo, Mónaco, Montenegro, Macedónia do Norte, Noruega, Polónia, Moldávia, Rússia, Sérvia, Eslovénia e Espanha.

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