«Há 70 anos, em 10 de Março de 1948, o Plano Daleth finalizou a planificação da limpeza étnica da Palestina»

Análise da AFPS – Association France-Palestine Solidarité publicada em 9 de Março de 2018
 
Em finais de 1947, quando as Nações Unidas recomendaram a partição da Palestina num Estado judaico e num Estado árabe, a Palestina era habitada por um terço de judeus e dois terços de árabes palestinos. Um ano mais tarde, 80% da população árabe palestina do território que, entretanto, se tornara israelita viviam no exílio em campos de refugiados, e mais de 500 aldeias e 11 bairros de cidades palestinas tinham sido destruídos ou arrasados. Esta limpeza étnica foi meticulosamente preparada, particularmente no Plano Daleth. Em alguns meses, os dirigentes do movimento sionista organizaram a «transferência», por meio da violência e da intimidação, da população árabe palestina.
Ben Gurion compreendera muito cedo que a compra de terras não bastaria para se apoderar do território. Note-se que algumas vendas eram acompanhadas pela obrigação de os antigos proprietários deixarem o país. O presidente do Fundo Nacional Judaico declarava em 1930: «Se lá houver outros habitantes, devem ser transferidos para outro lugar. Temos de tomar o controlo das terras.» Segundo o historiador israelita Tom Segev, «fazer desaparecer os Árabes estava no coração do sonho sionista, e era também uma condição necessária da sua realização». Em 1937 Ben Gurion afirma: «Os árabes terão de se ir embora». Em 1940, Yossef Weitz escreve: «Temos o direito de transferir os árabes». Além disso, a Agência Judaica, a organização dirigente do sionismo na Palestina, tinha criado um arquivo sobre as aldeias palestinas com todas as informações que permitiam estudar «a melhor maneira de as atacar».
Quando em 1946 Ben Gurion compreendeu que os britânicos iam sair da Palestina, elaborou uma estratégia geral contra a população palestina para depois de os britânicos partirem (plano A, B e C).
Alguns meses depois foi elaborado o plano D (Plano Daleth). O historiador israelita Ilan Pappe precisa no seu livro A Limpeza Étnica da Palestina [The Ethnic Cleansing of Palestine, Oneworld Publications, 2007]: «Foi este plano que selou o destino dos palestinos dentro do território que os dirigentes sionistas tinham em vista para o seu futuro Estado judaico. […] o Plano Daleth previa a sua expulsão total e sistemática da sua terra natal». Demonstra neste mesmo livro que «O Plano D israelita de 1948 […] contém um repertório de métodos de limpeza que correspondem um por um aos meios descritos pela ONU na sua definição de limpeza étnica, e estabelece o pano de fundo dos massacres que acompanharam a expulsão maciça». As descrições são claras: «Estas operações podem ser efectuadas da maneira seguinte: quer destruindo as aldeias (deitando-lhes fogo, dinamitando-as e colocando minas nos seus escombros), e especialmente dos centros populacionais que são difíceis de controlar continuamente; ou montando operações de limpeza e controlo de acordo com as directrizes seguintes: cerco das aldeias, conduzindo uma busca dentro delas. Em caso de resistência, as forças armadas devem ser eliminadas e a população expulsa para fora das fronteiras do Estado».
Estamos muito longe do mito oficial israelita repetido à exaustão segundo o qual os árabes palestinos teriam abandonado a sua terra de livre vontade, ou encorajados pelos Estados árabes vizinhos, durante a primeira guerra israelo-árabe desencadeada a 15 de Maio, no dia seguinte à declaração unilateral dita «de independência» de Israel. Antes de 15 de Maio de 1948 as forças judaicas já tinham expulsado pela violência mais de 250 000 palestinos, as mais das vezes pelo terror, por vezes com massacres. A Nakba — a catástrofe que marca o desapossamento, os massacres e a expulsão dos palestinos da sua terra — já está em curso. O êxodo de 800 000 palestinos não é a infeliz consequência de uma guerra, mas sim o resultado de um plano sistemático.
A Nakba foi acompanhada — coisa que prossegue ainda hoje — por um verdadeiro «memoricídio». Com efeito, era necessário reforçar um outro mito israelita segundo o qual a Palestina era «uma terra sem povo para um povo sem terra». Ilan Pappe relata: «Aqui o desapossamento foi acompanhado pela mudança de nome dos lugares que tinha tomado, destruído e agora recriado. Esta missão foi realizada com a ajuda de arqueólogos e especialistas da Bíblia», a fim de «hebraizar a geografia da Palestina». Este «memoricídio» ocorreu também em toda a Cisjordânia — incluindo Jerusalém Oriental —, onde Israel se apossou dos lugares santos (um caso para exemplo: o túmulo de Raquel em Belém), onde ruas e bairros foram rebaptizados, como em Hebron no sector do túmulo dos patriarcas, esvaziado dos seus habitantes e confiscado por colonos. Em Jerusalém o empreendimento de transformação do bairro palestino de Silwan num vasto parque designado Cidade de David faz parte desta reescrita da história desta terra.
Quando em 2000 Ariel Sharon, então primeiro-ministro de Israel, declara: «Vamos agora concluir aquilo que não foi concluído em 1948», as coisas são claras: o que não foi concluído foi o processo de que a Nakba foi o apogeu, o processo de expulsão e desapossamento do povo palestino do seu território, assim como do direito à sua história e à sua cultura.
Este processo continua hoje em curso: disso são exemplos a extensão da colonização na Cisjordânia, as deslocações forçadas das populações beduínas nos arredores de Jerusalém, no vale do Jordão ou no Neguev, a limpeza étnica no coração da cidade velha de Hebron.
É de uma actualidade gritante a situação criada aos palestinos de Jerusalém Oriental. Para além da decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, ratificando assim a violação do direito e o desapossamento dos palestinos, Israel multiplica as leis destinadas a expulsá-los daí. Assim, em 7 de Março o Knesset [parlamento israelita] adoptou definitivamente uma lei sobre «a revogação completa do estatuto de residência permanente previsto para os palestinos de Jerusalém Oriental». É este estatuto que rege os palestinos que vivem sob ocupação em Jerusalém Oriental ilegalmente anexada por Israel. Dotando-se desta nova lei, Israel vai assim poder expulsar ainda mais facilmente os palestinos de Jerusalém Oriental da sua cidade, prosseguindo o processo de limpeza étnica formalizado há 70 anos pelo Plano Daleth.
Paris, 9 de Março de 2018
O Bureau Nacional da AFPS
 

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