De Gaza para a NASA: o voo de sonho de um engenheiro palestino

Em 19 de Abril de 2021 o helicóptero Ingenuity da NASA fez o seu primeiro voo em Marte. Este feito histórico é o resultado de sete anos de trabalho árduo de uma equipa que inclui um engenheiro palestino que cresceu na Faixa de Gaza e estudou na escola da UNRWA.

«Loay Elbasyouni era um rapaz de 10 anos de idade que crescera na Faixa de Gaza sitiada quando construiu a sua primeira antena de televisão a partir de utensílios de cozinha e folha de alumínio. Mas ter a oportunidade de trabalhar para uma empresa que ajudou a NASA a desenvolver a primeira aeronave da história a fazer um voo a motor controlado noutro planeta, ia muito para além da sua jovem e fértil imaginação», escreve Holly Hinson na página da J. B. Speed School of Engineering (Universidade de Louisville, Kentucky), a faculdade onde Loay concluiu o seu mestrado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores em 2005.

Nascido na Alemanha, Elbasyouni mudou-se com os seus pais e três irmãos para a Palestina aos seis anos de idade. Frequentou a escola da UNWRA em Beit Hanoun, na Faixa de Gaza, do primeiro ao nono ano. Desse tempo, recorda: «Uma das minhas primeiras memórias foi ir a caminho da escola com um grupo de crianças quando, de repente, todos eles fugiram para uma casa e depois vi um jipe israelita a passar e pensei: “Uau, achava que os militares estavam aqui para nos proteger”. Foi uma experiência muito diferente.»

Elbasyouni disse que o seu pai incitava todos os seus filhos a serem educados, e hoje, dos seus três irmãos, dois são engenheiros electrotécnicos e um é cirurgião ortopédico.

Elbasyouni deixou a Faixa de Gaza sitiada em 1998 para prosseguir o ensino superior nos Estados Unidos. A Segunda Intifada começou pouco depois e o consequente bloqueio israelita à Faixa de Gaza impediu Loay de ver a sua família durante mais de uma década.

«Passei 11 anos sem ver a minha mãe. Isso foi duro. Ela costumava chorar todos os dias.» Loay disse que um dia gostaria de regressar para visitar o seu país natal. «Tenho boas recordações de ter crescido entre olivais e laranjais, uma das razões pelas quais agora vivo no Sul da Califórnia».

Os primeiros tempos nos Estados Unidos não foram fáceis. As finanças foram um dos muitos obstáculos que Elbasyouni teve de superar, mas o facto de vir de um país do Médio Oriente complicou a situação.

«Depois do 11 de Setembro, fui atacado a entregar pizza a alguns estudantes bêbados», disse Elbasyouni. «Também significava que era mais difícil conseguir um emprego porque as empresas preferiam cidadãos americanos, pelo que era preciso o dobro do esforço de candidatura para encontrar a empresa certa que estivesse interessada em saber quem realmente se é.»

Elbasyouni está grato à Speed School of Engineering pela qualidade do ensino recebido e pelo apoio material que lhe permitiu concluir a sua formação. «Fui recebido de braços abertos desde o primeiro dia. Recebi tutoria e orientação de todos os professores que tinha. Nas minhas experiências universitárias anteriores, não tinha nada parecido com isso. Sentia-me como um número, enquanto na Universidade de Louisville me senti como se fizesse parte de uma família.»

Depois concluir o seu mestrado, Elbasyouni trabalhou para diversas empresas como engenheiro de projecto de veículos eléctricos, antes de ser contratado pela AeroVironment, Inc. em 2012, onde foi seleccionado para trabalhar no projecto do Helicóptero Ingenuity para Marte, o que fez de 2014 a meados de 2018. Também fez parte da equipa que enviou a nave espacial Perseverance para Marte em Março passado.

Actualmente, é director sénior da Astrodyne TDI em Santa Monica, Califórnia, responsável pelas operações da costa ocidental. A empresa desenvolve projectos para as indústrias aeroespacial, da aviação comercial e de supercondutores.

Quanto ao futuro, diz: «O meu objectivo sempre foi ter a minha própria empresa. Quero trabalhar em coisas que vão tornar o mundo um lugar melhor, fornecendo ferramentas para facilitar a vida às pessoas em lugares desprivilegiados.» E acrescenta: «Acredito que podemos mudar o mundo criando novas formas de comunicar, de utilizar o ambiente e de fazer tudo à nossa volta. Somos todos um só, simplesmente não nos apercebemos disso. Todos queremos as mesmas coisas - desfrutar da vida e viver em paz.»

O helicóptero Ingenuity

O Ingenuity foi o primeiro aparelho a fazer um voo a motor controlado fora do planeta Terra. Tem apenas 49 cm de altura e pesa 1800 gramas; o rotor tem uma envergadura de 1,2 m. O maior desafio para o projecto é a rarefacção da atmosfera de Marte, que tem apenas 1% da densidade da da Terra.

Foi lançado de Cape Canaveral, Florida, em 30 de Julho de 2020, acoplado à nave espacial Perseverance, e pousou na Cratera Jezero, em Marte, em 18 de Fevereiro de 2021.

Entre 19 de Abril e 4 de Setembro fez 13 voos controlados, excedendo largamente as expectativas iniciais. O voo mais longo atingiu uma distância de 625 metros e o mais alto chegou a 12 metros. A velocidade máxima alcançada foi de 18 km/h tendo o voo mais extenso durado 2,8 minutos.

Tendo provado que é possível um voo motorizado e controlado em Marte, objectivo inicial da missão, o Ingenuity entrou numa nova fase de demonstração de operações, explorando como o reconhecimento aéreo e outras funções poderão beneficiar a futura exploração de Marte e de outros mundos.

A acção vital da UNRWA

Realçando o sucesso de Loay Elbasyouni, no seu discurso na 156ª Reunião do Conselho da Liga dos Estados Árabes, o Comissário-Geral da UNRWA, Phillipe Lazzarini, afirmou: «As realizações de Loay [um antigo aluno de uma escola da UNRWA em Beit Hanoun, Gaza] são impressionantes e um tributo a uma mistura de brilhantismo e coragem que tem possuído. Deixar Gaza quando jovem e não poder ver a sua família durante anos não impediu Loay de realizar o seu sonho: ele foi de Gaza para a NASA! Que inspiração para milhares de jovens e de jovens refugiados. O céu é de facto o limite das esperanças e sonhos para esta próxima geração de artistas, cientistas e tudo o que está de permeio.»

O Comissário-Geral da UNRWA defendeu perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas a importância do trabalho daquela agência da ONU:
«Enquanto não houver uma solução política para este conflito, incluindo uma solução justa e duradoura para a situação dos refugiados palestinos, só uma UNRWA forte pode trazer um sentido de normalidade à vida destes refugiados. Esse sentimento de normalidade pode contribuir para a busca da paz e da estabilidade.»

«Uma UNRWA forte exige um financiamento previsível e suficiente para um planeamento e prestação de serviços adequados. É um dos investimentos mais rendíveis que os Estados membros podem fazer. É um investimento em seres humanos e no desenvolvimento humano dos refugiados palestinos. É um investimento nos valores e princípios das Nações Unidas. O nosso ensino, baseado nos valores das Nações Unidas de direitos humanos e tolerância, promove um sentido de propósito.»

Desde a sua fundação, a UNRWA já formou dois milhões de estudantes refugiados palestinos. Através da sua rede de 711 escolas e oito centros de formação profissional, a Agência continuar a proteger o direito à educação de mais de 540 000 estudantes refugiados palestinos e de jovens em todo o Médio Oriente. Na Faixa de Gaza, a UNRWA assegura educação a 286 645 estudantes em 278 escolas.

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