Amnistia Internacional: A polícia israelita visou os palestinos com detenções discriminatórias, tortura e força ilegal

«Esta noite não somos judeus, somos nazis», lê-se numa das mensagens partilhadas por supremacistas israelitas de extrema-direita posando com armas em fotografias divulgadas nas redes sociais durante a recente vaga de repressão das manifestações de protesto dos cidadãos palestinos de Israel contra os despejos em Jerusalém Oriental e a ofensiva israelita de 11 dias contra a Faixa de Gaza e divulgada num novo relatório da Amnistia Internacional divulgado esta semana.

Segundo a Amnistia Internacional, a polícia israelita cometeu um catálogo de violações contra palestinos em Israel e em Jerusalém Oriental ocupada, levando a cabo uma campanha repressiva discriminatória, incluindo detenções em massa, utilização ilegal da força contra manifestantes pacíficos e sujeição dos detidos a tortura e outros maus-tratos, durante e após as hostilidades armadas em Israel e Gaza.

A polícia israelita também não conseguiu proteger os cidadãos palestinos de Israel de ataques premeditados por grupos de supremacistas judeus armados, mesmo quando os planos foram divulgados antecipadamente e a polícia os conhecia ou deveria ter conhecido.

«As provas reunidas pela Amnistia Internacional pintam um quadro condenatório de discriminação e de força excessiva impiedosa por parte da polícia israelita contra os palestinos em Israel e em Jerusalém Oriental ocupada», disse Saleh Higazi, director-adjunto da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

«A polícia tem a obrigação de proteger todas as pessoas sob o controlo de Israel, sejam elas judias ou palestinas. Em vez disso, a grande maioria das pessoas detidas na repressão policial após o surto de violência intercomunal eram palestinas. Os poucos cidadãos judeus de Israel detidos foram tratados com mais clemência. Os supremacistas judeus também continuam a organizar manifestações enquanto os palestinos enfrentam a repressão.»

Os investigadores da Amnistia Internacional falaram com 11 testemunhas e o seu Laboratório de Provas de Crise autenticou 45 vídeos e outras formas de meios digitais para documentar mais de 20 casos de violações da polícia israelita entre 9 de Maio e 12 de Junho de 2021. Centenas de palestinos foram feridos durante a repressão e um rapaz de 17 anos foi morto a tiro.

Medidas repressivas discriminatórias

A partir de 10 de Maio, quando as manifestações se alastraram a cidades com populações palestinas dentro de Israel, a violência intercomunal eclodiu. Houve feridos, e dois cidadãos judeus de Israel e um cidadão palestino foram mortos. As sinagogas e os cemitérios muçulmanos foram vandalizados. Em Haifa, 90 carros pertencentes a palestinos foram destruídos a 13 de Maio e foram atiradas pedras aos palestinos nas suas casas. Em Jerusalém Oriental, os colonos israelitas continuaram a assediar violentamente os residentes palestinos.

Em resposta, a 24 de Maio, as autoridades israelitas lançaram a «Operação Lei e Ordem», visando principalmente os manifestantes palestinos. Os meios de comunicação israelitas afirmaram que a operação visava «ajustar contas» com os envolvidos e «dissuadir» mais manifestações.

De acordo com o grupo palestino de defesa dos direitos humanos Mossawa, até 10 de Junho a polícia prendeu mais de 2150 pessoas, mais de 90% das quais cidadãos palestinos de Israel ou residentes em Jerusalém Oriental. O grupo também disse que foram apresentadas 184 acusações contra 285 acusados. Segundo o Adalah, outro grupo de direitos humanos, um representante da Procuradoria do Estado afirmou a 27 de Maio que apenas 30 cidadãos judeus de Israel se encontravam entre os indiciados.

A maioria dos palestinos detidos foram-no por delitos como «insultar ou agredir um agente da polícia» ou «participar numa reunião ilegal» e não por ataques violentos a pessoas ou bens, de acordo com o Comité de Acompanhamento para os Cidadãos Árabes de Israel.

«Esta repressão discriminatória foi orquestrada como um acto de retaliação e intimidação para esmagar manifestações pró-palestinas e silenciar aqueles que se manifestam para condenar a discriminação institucionalizada de Israel e a opressão sistémica dos palestinos», disse Saleh Higazi.

O uso ilegal da força contra os manifestantes

A Amnistia Internacional documentou a utilização desnecessária e excessiva de força pela polícia israelita para dispersar os protestos palestinos contra os despejos forçados em Jerusalém Oriental, bem como contra a ofensiva de Gaza. Os protestos foram maioritariamente pacíficos, embora uma minoria tenha atacado propriedade policial e atirado pedras. Em contraste, os supremacistas judeus continuam a organizar livremente as manifestações. A 15 de Junho, milhares de colonos e supremacistas judeus marcharam de forma provocatória através dos bairros palestinos de Jerusalém Oriental.

Relatos de testemunhas e vídeos autenticados mostram que, num protesto de 9 de Maio no bairro da Colónia Alemã, em Haifa, no norte de Israel, um grupo de cerca de 50 manifestantes protestavam pacificamente quando a polícia armada os atacou, sem ter havido provocação, espancando alguns deles.

A 12 de Maio, Muhammad Mahmoud Kiwan, um rapaz de 17 anos, foi baleado na cabeça perto de Umm el-Fahem, no norte de Israel, e morreu uma semana mais tarde. Testemunhas oculares disseram que ele estava sentado num carro perto de um protesto, quando a polícia israelita o alvejou. A polícia contestou a queixa e disse que estava a investigar.

No mesmo dia, os polícias dispersaram violentamente um protesto pacífico de cerca de 40 pessoas na Praça do Poço de Santa Maria, em Nazaré, norte de Israel, sem aviso prévio, agredindo fisicamente os manifestantes.

«A polícia israelita deveria estar a proteger o direito à liberdade de reunião e não a lançar ataques contra manifestantes pacíficos. A Comissão de Inquérito do Conselho de Direitos Humanos da ONU, criada em Maio de 2021, deve investigar o padrão alarmante de violações por parte da polícia israelita», disse Saleh Higazi.

A polícia israelita também fez uso ilegal de força em Jerusalém Oriental ocupada. No dia 18 de Maio, a polícia alvejou nas costas Jana Kiswani, de 15 anos, quando ela entrava na sua casa em Sheikh Jarrah. Um protesto tinha tido lugar algumas horas antes, em frente da sua casa. O seu pai, Muhammad, disse à Amnistia Internacional que as suas vértebras tinham sido estilhaçadas e que os médicos não sabiam se ela voltaria a andar. As imagens de vídeo autenticadas mostram Jana Kiswani a cair no chão ao ser atingida por trás. Outro vídeo autenticado mostra um polícia israelita a disparar um lança-granadas Stand Alone IWI GL 40 contra uma pessoa fora do ecrã, seguido de gritos.

Violência policial, tortura e outros maus-tratos

Ibrahim Souri foi alvejado na cara por polícias israelitas enquanto usava o seu telemóvel para filmar a polícia a patrulhar a rua a partir da varanda da sua casa em Jaffa, a sul de Tel Aviv, a 12 de Maio.

Num vídeo autenticado ouve-se um dos agentes da polícia a dizer: «O que está ele a segurar?» Ibrahim Souri grita em resposta: «Estou a filmar, isso não é permitido? Dispare, está tudo gravado». Ele disse mais tarde à Amnistia Internacional: «Não imaginava que eles disparassem de facto. Pensei que tinha direitos, e que estava a salvo, num país democrático». Fotografias revistas pelo patologista forense da Amnistia Internacional e relatórios médicos indicam que Ibrahim foi muito provavelmente atingido por um KIP de 40mm, fracturando os seus ossos faciais.

A Amnistia Internacional também documentou tortura na esquadra do Complexo Russo (Moskobiya), em Nazaré, a 12 de Maio. Uma testemunha ocular disse ter visto forças especiais a espancar um grupo de pelo menos oito presos amarrados que tinham sido detidos num protesto:

«Foi como um brutal campo de prisioneiros de guerra. Os oficiais estavam a bater nos jovens com vassouras e pontapeavam-nos com botas com biqueiras de aço. Quatro deles tiveram de ser levados de ambulância, e um deles tinha um braço partido».

O advogado de Ziyad Taha, outro manifestante detido no centro de detenção de Kishon, perto de Haifa, a 14 de Maio, disse que o seu cliente foi amarrado pelos pulsos e tornozelos a uma cadeira e privado de sono durante nove dias.

Falha na protecção dos palestinos contra ataques supremacistas judeus

A polícia também não conseguiu proteger os palestinos de ataques organizados por grupos de supremacistas judeus armados, cujos planos foram frequentemente divulgados com antecedência.

A Amnistia Internacional verificou 29 mensagens de texto e áudio das redes Telegram e WhatsApp, revelando como as aplicações foram utilizadas para recrutar homens armados e organizar ataques a palestinos em cidades com populações judaicas e árabes, tais como Haifa, Acre, Nazaré, e Lod entre 10 e 21 de Maio.

As mensagens incluíam instruções sobre onde e quando reunir, tipos de armamento a utilizar e até mesmo roupas a usar para evitar confundir judeus do Médio Oriente com árabes palestinos. Os membros do grupo partilharam selfies a posar com armas e mensagens tais como: «Esta noite não somos judeus, somos nazis».

A 12 de Maio, centenas de supremacistas judeus reuniram-se no Bat Yam Promenade, no centro de Israel, em resposta a mensagens recebidas do partido político Poder Judaico e de outros grupos. Imagens de vídeo confirmadas mostram dezenas de activistas a atacar empresas de propriedade árabe e a encorajar atacantes. Um dos espancados foi Said Musa que também foi atropelado com uma scooter por atacantes judeus. Apenas seis israelitas estão a ser processados por causa do ataque.

Políticos e funcionários do governo também incitaram à violência. A 11 de Maio rebentaram tumultos após Itamar Ben-Gvir, representante parlamentar do partido do Poder Judaico, ter reunido apoiantes para virem a Lod e outras cidades e apelado a que os atiradores de pedras fossem mortos a tiro.

Um dia antes, Musa Hassuna foi morto a tiro por um cidadão judeu de Israel em Lod, durante a violência intercomunal. Um vídeo mostra-o a ser alvejado enquanto estava perto de um grupo de palestinos a atirar pedras. O seu pai culpou o presidente da câmara da cidade, Yair Revivo, por «chamar extremistas para executar estes actos de banditismo», em referência a uma declaração em que o presidente da câmara descreveu os acontecimentos em Lod como um pogrom sobre os judeus. Quatro suspeitos foram presos por causa do assassinato, mas libertados sob fiança três dias depois. O Ministro da Segurança Pública de Israel, Amir Ohana, condenou abertamente as detenções, considerando-as «terríveis».

Numa ilustração da discriminação, Kamal al-Khatib, líder adjunto do Movimento Islâmico do Norte, foi detido a 14 de Maio e acusado de incitamento à violência e apoio a uma organização terrorista por comentários públicos, nos quais manifestou orgulho na solidariedade com as pessoas em Gaza e Jerusalém Oriental e afirmou que as alterações ao estatuto dos locais sagrados de Jerusalém levaram à violência entre palestinos e judeus.

«O fracasso recorrente da polícia israelita em proteger os palestinos de ataques organizados por grupos de supremacistas judeus armados e a falta de responsabilização por tais ataques são vergonhosos e mostram o desrespeito das autoridades pela vida palestina», disse Molly Malekar, Directora da Amnistia Israelita.

«O facto de os cidadãos judeus de Israel, incluindo figuras proeminentes, terem sido autorizados a incitar abertamente a violência contra os palestinos sem serem responsabilizados, realça a extensão da discriminação institucionalizada enfrentada pelos palestinos e a necessidade urgente de protecção.»

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